quarta-feira, 1 de julho de 2009

Obras do Autor.



Toda a obra de Álvares de Azevedo é de publicação póstuma. Ao núcleo inicial das Poesias (Lira dos Vinte Anos), publicadas em 1853, no Rio de Janeiro, pela Tipografia Americana, seguiram-se reedições sucessivas e ampliadas, que foram incorporando os seguintes títulos, que compõem a obra completa:

“Ficarás tão adiantado agora, meu leitor,
como se não lesses essas páginas,
destinadas a não serem lidas.
Deus me perdoe!
Assim é tudo!
Até os prefácios!”



Lira dos Vinte Anos

“Donzela sombria, na brisa não sentes
A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que inspira no seio dos entes
Os sonhos ardentes,
Não diz-te que a voz
Que fala-te a sós
Sou eu?”

Preparado para integrar As Três Liras, projeto de livro conjunto de Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, a Lira dos Vinte Anos é a única obra de Álvares de Azevedo cuja publicação foi preparada pelo poeta. Mesmo assim, vários poemas lhe foram acrescentados depois da primeira edição (póstuma, como toda obra do autor), à medida que iam sendo descobertos. O livro compõem-se de três partes (a terceira praticamente um continuação da primeira), e apresenta as duas faces de Álvares de Azevedo: o poeta piegas e meigo, o cantor de virgens pálidas (primeira e terceira partes) e o poeta macabro e sarcástico de “Um Cadáver de Poeta”, “Idéias íntimas” e “Namoro a Cavalo”.


O Poema do Frade

“Escutai-me, leitor, a minha estória
É fantasia sim, porém amei-a.
Sonhei-a em sua palidez marmórea,
Como a ninfa que volve-se na areia
Com os lindos seios nus... Não sonho glória;
Escrevi porque tinha a alma cheia
- Numa insônia que o spleen entristecia –
De vibrações convulsas de ironia.”

Narra, pela boca de um frade devasso, os amores e desventuras de um poeta libertino (Jônatas) e sua namorada, a prostituta Consuelo; afora algumas passagens picantes, o poema talvez valha mais pelas considerações que faz sobre poesia e pela sobreposição do poeta, do narrador e do personagem: Álvares de Azevedo, poeta, encarnado na figura do frade devasso, poeta, conta a estória de Jônatas, poeta. Obra de inspiração byroniana, situa-se no mesmo plano que O Conde Lopo e o Livro de Fra Gondicário: extensa, prolixa e repetidora dos cânones europeus da época. O primeiro canto ilustra posturas literárias típicas do Romantismo; o segundo canto, focaliza a figura feminina prostituída, têm o tom romântico garantido pela perspectiva sentimental e emotiva com que tematiza a figura da prostituta.

O Conde Lopo

“Foi poeta: cantou, e o estro fogo
Crestou-lhe o peito, devorou seus dias
E a febre ardente desbotou-lhe a fronte
Em dores sós, em delirar insano.”

Este longo poema narrativo lança mão de um expediente tipicamente romântico: a morte de um poeta desconhecido em casa de gente estranha leva à descoberta, sob seu colchão, de um livro de versos que narra sua história e revela seu nome: Conde Lopo. Sua história se tece de lances comuns a obras românticas e ultra-românticas: o conhecimento de uma linda jovem, o noivado com ela, a viagem súbita ordenada pelo pai, o regresso e a traição representada pelo noivado da moça com seu irmão. O ciúme conduz ao assassinato da moça e, a seguir, o Conde passa a levar vida aventurosa e desregrada. Acaba por conhecer um rapaz cuja vida salva e tornam-se amigos. É somente a ele que o Conde conta seu passado e seus fortíssimos pesadelos.

Macário

“Quando não há o amor, há o vinho;
Quando não há o vinho, há o fumo;
E quando não há o amor, nem vinho, nem fumo, há o spleen.”

É uma obra teatral cujas personagens mais importantes são Macário, Penseroso e Satã. Acompanha o encontro de Macário com Penseroso e Satã, numa estrutura em que se alternam cenas interiores e exteriores, narração dialogada e solilóquios. Nas palavras de Antônio Cândido, “Macário é Álvares de Azevedo, byroniano, ateu, desregrado, irreverente, universal; Penseroso, o Álvares de Azevedo sentimental, crente, estudioso e nacionalista. Aquele por contraste situado em São Paulo; este, na Itália”. Na descrição da cidade de São Paulo, há uma ótica realista e crítica que, de certa forma, retoma a má vontade de Álvares de Azevedo em relação à cidade em que vivia, e que tanto o aborrecia, como confessava em suas cartas. Ao final do texto, Macário é levado pelas mãos de Satã a presenciar uma orgia, cujo cenário é o de Noite na Taverna, o que parece estabelecer um vínculo entre essas duas obras de Álvares de Azevedo.


Noite na Taverna

“O vinho acabou-se nos copos, Bertram,
Mas o fumo ainda ondula nos cachimbos!
Após dos vapores do vinho os vapores da fumaça!
Senhores, em nome de todas as nossas reminiscências,
De todos nossos sonhos que mentiram,
De todas nossas esperanças que desbotaram, uma última saúde!”

De publicação póstuma, esse livro é uma série de narrativas fantásticas, contadas por um grupo de amigos à roda de uma mesa de taverna. Mais do que pelos elementos romanescos e satânicos que a condimentam (violentação, corrupção, incesto, adultério, necrofilia, traição, antropofagia, assassinatos por vingança ou por amor), a obra impõem-se pela estrutura: um narrador em terceira pessoa introduz o cenário, as personagens, a situação, e praticamente desaparece, dando lugar a outros narradores – as próprias personagens que em primeira pessoa contam, uma a uma, vidas aventureiras. Na última narrativa, a presença física (na roda de moços) de personagens mencionados em uma narrativa anterior faz com que todo o ambiente fantástico e irreal dos contos se legitime como verídico. Noite na Taverna, escrita em bastante tom emotivo, antecipa em vários aspectos a narração da prosa moderna: a liberdade cênica, a dupla narração e suas confluências, a mistura do real ao fantástico conferem atualidade à obra, apesar de toda a atmosfera byroniana.

(Ana Marcia)