quarta-feira, 1 de julho de 2009

Obras do Autor.



Toda a obra de Álvares de Azevedo é de publicação póstuma. Ao núcleo inicial das Poesias (Lira dos Vinte Anos), publicadas em 1853, no Rio de Janeiro, pela Tipografia Americana, seguiram-se reedições sucessivas e ampliadas, que foram incorporando os seguintes títulos, que compõem a obra completa:

“Ficarás tão adiantado agora, meu leitor,
como se não lesses essas páginas,
destinadas a não serem lidas.
Deus me perdoe!
Assim é tudo!
Até os prefácios!”



Lira dos Vinte Anos

“Donzela sombria, na brisa não sentes
A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que inspira no seio dos entes
Os sonhos ardentes,
Não diz-te que a voz
Que fala-te a sós
Sou eu?”

Preparado para integrar As Três Liras, projeto de livro conjunto de Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, a Lira dos Vinte Anos é a única obra de Álvares de Azevedo cuja publicação foi preparada pelo poeta. Mesmo assim, vários poemas lhe foram acrescentados depois da primeira edição (póstuma, como toda obra do autor), à medida que iam sendo descobertos. O livro compõem-se de três partes (a terceira praticamente um continuação da primeira), e apresenta as duas faces de Álvares de Azevedo: o poeta piegas e meigo, o cantor de virgens pálidas (primeira e terceira partes) e o poeta macabro e sarcástico de “Um Cadáver de Poeta”, “Idéias íntimas” e “Namoro a Cavalo”.


O Poema do Frade

“Escutai-me, leitor, a minha estória
É fantasia sim, porém amei-a.
Sonhei-a em sua palidez marmórea,
Como a ninfa que volve-se na areia
Com os lindos seios nus... Não sonho glória;
Escrevi porque tinha a alma cheia
- Numa insônia que o spleen entristecia –
De vibrações convulsas de ironia.”

Narra, pela boca de um frade devasso, os amores e desventuras de um poeta libertino (Jônatas) e sua namorada, a prostituta Consuelo; afora algumas passagens picantes, o poema talvez valha mais pelas considerações que faz sobre poesia e pela sobreposição do poeta, do narrador e do personagem: Álvares de Azevedo, poeta, encarnado na figura do frade devasso, poeta, conta a estória de Jônatas, poeta. Obra de inspiração byroniana, situa-se no mesmo plano que O Conde Lopo e o Livro de Fra Gondicário: extensa, prolixa e repetidora dos cânones europeus da época. O primeiro canto ilustra posturas literárias típicas do Romantismo; o segundo canto, focaliza a figura feminina prostituída, têm o tom romântico garantido pela perspectiva sentimental e emotiva com que tematiza a figura da prostituta.

O Conde Lopo

“Foi poeta: cantou, e o estro fogo
Crestou-lhe o peito, devorou seus dias
E a febre ardente desbotou-lhe a fronte
Em dores sós, em delirar insano.”

Este longo poema narrativo lança mão de um expediente tipicamente romântico: a morte de um poeta desconhecido em casa de gente estranha leva à descoberta, sob seu colchão, de um livro de versos que narra sua história e revela seu nome: Conde Lopo. Sua história se tece de lances comuns a obras românticas e ultra-românticas: o conhecimento de uma linda jovem, o noivado com ela, a viagem súbita ordenada pelo pai, o regresso e a traição representada pelo noivado da moça com seu irmão. O ciúme conduz ao assassinato da moça e, a seguir, o Conde passa a levar vida aventurosa e desregrada. Acaba por conhecer um rapaz cuja vida salva e tornam-se amigos. É somente a ele que o Conde conta seu passado e seus fortíssimos pesadelos.

Macário

“Quando não há o amor, há o vinho;
Quando não há o vinho, há o fumo;
E quando não há o amor, nem vinho, nem fumo, há o spleen.”

É uma obra teatral cujas personagens mais importantes são Macário, Penseroso e Satã. Acompanha o encontro de Macário com Penseroso e Satã, numa estrutura em que se alternam cenas interiores e exteriores, narração dialogada e solilóquios. Nas palavras de Antônio Cândido, “Macário é Álvares de Azevedo, byroniano, ateu, desregrado, irreverente, universal; Penseroso, o Álvares de Azevedo sentimental, crente, estudioso e nacionalista. Aquele por contraste situado em São Paulo; este, na Itália”. Na descrição da cidade de São Paulo, há uma ótica realista e crítica que, de certa forma, retoma a má vontade de Álvares de Azevedo em relação à cidade em que vivia, e que tanto o aborrecia, como confessava em suas cartas. Ao final do texto, Macário é levado pelas mãos de Satã a presenciar uma orgia, cujo cenário é o de Noite na Taverna, o que parece estabelecer um vínculo entre essas duas obras de Álvares de Azevedo.


Noite na Taverna

“O vinho acabou-se nos copos, Bertram,
Mas o fumo ainda ondula nos cachimbos!
Após dos vapores do vinho os vapores da fumaça!
Senhores, em nome de todas as nossas reminiscências,
De todos nossos sonhos que mentiram,
De todas nossas esperanças que desbotaram, uma última saúde!”

De publicação póstuma, esse livro é uma série de narrativas fantásticas, contadas por um grupo de amigos à roda de uma mesa de taverna. Mais do que pelos elementos romanescos e satânicos que a condimentam (violentação, corrupção, incesto, adultério, necrofilia, traição, antropofagia, assassinatos por vingança ou por amor), a obra impõem-se pela estrutura: um narrador em terceira pessoa introduz o cenário, as personagens, a situação, e praticamente desaparece, dando lugar a outros narradores – as próprias personagens que em primeira pessoa contam, uma a uma, vidas aventureiras. Na última narrativa, a presença física (na roda de moços) de personagens mencionados em uma narrativa anterior faz com que todo o ambiente fantástico e irreal dos contos se legitime como verídico. Noite na Taverna, escrita em bastante tom emotivo, antecipa em vários aspectos a narração da prosa moderna: a liberdade cênica, a dupla narração e suas confluências, a mistura do real ao fantástico conferem atualidade à obra, apesar de toda a atmosfera byroniana.

(Ana Marcia)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Ultra-Romantismo




Sonha, poeta, sonha! Ali sentado

No tosco assento da janela antiga,

Apóia sobre a mão a face pálida

Sorrindo - dos amores à cantiga.”


Na história da literatura brasileira Álvares de Azevedo é, sem dúvida nenhuma, uma das figuras centrais e dominantes.

Morrendo muito moço, com pouco mais de vinte anos, e autor a bem dizer inédito, apenas com um belo discurso e algumas páginas necrológicas publicadas, deixava entretanto, no seu rico, tumultuoso e apressado espólio, muitas páginas imortais, livros ainda por ordenar ou terminar, mas que iriam abrir em nossas letras uma fase inteiramente desconhecida.

Aquela quase criança morta, dentro de um ano depois surpreenderia os contemporâneos com uma obra viva e original, que até hoje lemos e relemos com emoção. Machado de Assis, que a viu sair dos prelos, disse dela que “era a boa nova dos poetas”. Sim, a Lira dos Vinte Anos foi de fato isso. Porque veio quebrar os moldes da poesia nacional, interrompendo-a com acentos jamais ouvidos entre nós, como se de repente um pássaro estranho, trazido ás nossas plagas americanas, aqui desesperadamente começasse a desferir um novo e belo canto harmonioso.

Filho atormentado do seu tempo, conhecendo-o e não lhe fugindo aos influxos, tudo que tinha de angustioso, de cético, de irônico, de amargo ou de melancólico, a sua profunda e aguda sensibilidade, irmã gêmea daquelas que expressavam em versos eternos os eternos estados da alma nesse mundo de inquietação e dúvida, absorveu completamente, mas sem perder o próprio cunho e marca pessoal inconfundível.

Gonçalves Dias tinha sido até ali a mais alta expressão da lírica nacional. Mas o extraordinário nos dera a sentir sobretudo vozes graves, compassadas e austeras, vozes antigas e difíceis, vozes clássicas enfim, que nos deixaram a impressão de Sá de Miranda ou Bernardim Ribeiro a decantarem através das nossas terras jovens o sabiá choroso no ramo da palmeira.

Álvares de Azevedo era o grito da libertação, era o sinal dos tempos, contava-nos o mal do século. Era Byron, Shelley, Musset, Vigny, mas sem ser cópia de nenhum deles. Do seu recente túmulo ainda úmido e coberto de flores amadas, as amarelas alamandas cor de ouro, o rapaz, que nele palidamente se encerrava, dirigia à mocidade patrícia a mais bela e criadora das mensagens – a da renovação da poesia nacional, ensinando-lhe uma forma leve e diáfana como a das névoas transparentes com que ele envolvia na orla das praias os anjos dormentes da sua fantasia. E ao mesmo tempo lhe apontava temas inexplorados, lhe revelava motivos de inspiração aqui jamais sabidos. Amphyon estava a construir de novo, porém não praticamente cidades. Mais profundamente, construía mundos interiores, povoados de figuras dolorosas, cheias de ânsias, hesitações, blasfêmias e sarcasmos.

O pessimismo, a misantropia, o amor desesperado, as coisas excêntricas, as predileções românticas, os instintos indisciplinados, sem perda do mais profundo sentimento poético, do lirismo mais autêntico – pela primeira vez se encarnavam entre nós em Álvares de Azevedo.


Vem, anjo, minha donzela,

Minha alma, meu coração!

Que noite, que noite bela!

Como é doce a viração!

E entre os suspiros do vento

Da noite ao mole frescor

Quero viver um momento,

Morrer contigo de amor!”


Dois anos depois o prosador fazia também a sua estréia. Aquele pequenino túmulo sagrado continuava a falar coisas divinas. E se verificava então que não fora somente um poeta excepcional que se perdera. Também se perdera um agudo e fino autor de teatro, como de outro de igual gênero jamais conseguimos até hoje alcançar; um narrador prodigioso de contos fantásticos e terríveis; um prosador numeroso, cheio de arranques magníficos; o estofo afinal de um crítico de tão rara agudeza em tão jovem idade.


Oh! Deixai-me fumar o meu charuto!”


Descansem o meu leito solitário

Na floresta dos homens esquecida,

À sombra de uma cruz e escrevam nela:

- Foi poeta – sonhou – e amou na vida.”


Álvares de Azevedo foi ultra-romântico porque toda sua obra transpira byronismo, satanismo, paixões exasperadas, saudades... Enfim, ingredientes que resultaram nessa obra quase sem fôlego escrita em tão pouco tempo.

Mas é preciso tomar um pouco de cuidado ao ler o Maneco (apelido familiar de nosso poeta). Se por um lado Byron foi sua mola propulsora, por outro não se pode passar por cima de uma das maiores contribuições desse poeta à literatura brasileira: ele foi um dos primeiros a utilizar a ironia como técnica poética e a incorporar à sua poesia a descrição de objetos cotidianos como o charuto, a lamparina, o conhaque, sua cama, seus livros. Era um banho de concretude e prosaísmo num período onde, para a literatura, tudo era fluido e esfumacento.

Entre o Indianismo de Gonçalves Dias (ainda tão amarrado ao Classicismo) e o engajamento político-literário dos abolicionistas republicanos, situam-se alguns poetas cuja poesia costuma ser reconhecida pelo intimismo, saudosismo e satanismo, temas caracterizadores da poesia da chamada segunda geração romântica. Em suma, uma poesia introspectiva no conteúdo e livre na forma.

Álvares de Azevedo é o maior dos poetas que tão bem caracterizaram essa fase aguda de nosso Romantismo, talvez exatamente por ter rompido um pouco o estereótipo ultra-romântico. Apesar de ter escrito poesias lacrimosas, melosas, tão carregadas de spleen, demonstrou uma veia sarcástica e brincalhona em boa parte de sua obra.

Brasileirismo malandro


Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,

Fumando meu cigarro vaporoso;

Nas noites de verão namoro estrelas;

Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!”


Surgido e desenvolvido no período da independência e de afirmação nacional, o Romantismo parece ligado às idéias verde-amarelas de brasilidade. Assim, falar em Romantismo é, de alguma maneira, falar também em nacionalismo. Mesmo porque o sentimento nacional era geral, ocorrendo não só na literatura brasileira como também na literatura (e política) européia. Vários intelectuais europeus, aliás, tiveram importante papel na formação do Romantismo e dos românticos brasileiros: Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Ferdinand Denis e outros.

Mas com Álvares de Azevedo a coisa foi diferente. Ou parece ter sido, à primeira vista. Mesmo que alguns de seus textos revelem pronunciamentos brasileiros, como o discurso proferido por ocasião da instalação da Sociedade Acadêmica de Ensaio Filosófico, onde defende a necessidade de uma filosofia e literatura brasileiras, seus poemas mais conhecidos estão voltados para o cenário europeu, impregnados de imagens byronianas e shakespereanas, do céu da Itália – em suma, de um mundo distante das coisas do Brasil. Assim é que as personagens de Noite na Taverna, sem exclusão, vivem suas aventuras em terras e mares europeus, ora em castelos italianos e espanhóis, ora em fragatas inglesas.

Teria assim rumado em sentido contrário à tendência geral do Romantismo?

Aparentemente sim. Mas apenas aparentemente. Ocorre que o brasileirismo de Álvares de Azevedo se deu de outra maneira, não através da celebração de índios, palmeiras e onças, mas pelas vias do sarcasmo e da ironia, da descrição de suas coisas (idéias) íntimas, da sugestão da malandragem. Homem da cidade, não conheceu o Brasil floresta, mas a emergência do Brasil urbano. É aí um precursor. Seus melhores escritos tratam de um Brasil próprio de estudante de Direito, afeito à galhofa e à brincadeira.

Desta maneira, Álvares de Azevedo não só impregnou de brasilianismo alguns de seus textos, como foi dos primeiros a incorporar o caráter cordial do brasileiro, posteriormente tão celebrado na literatura.

Que mimo! Que rosa! Que filha de Deus!


És tão doentia!

Não corras assim!

Donzela, onde vais?

Tem pena de mim!”


Um dos elementos mais constantes nos versos de Álvares de Azevedo foi a mulher. Ora virgem adormecida, pálida, inocente, inatingível objeto, ora prostituta da pior estirpe, como se ouve de Satã, em Macário (“Têm uma lepra que ocultam no sorriso. Bufarinheiras de infância dão em troco do gozo o veneno da sífilis. Antes amar uma lazarenta!”), as mulheres povoam o universo alvaresiano numa obsessão adolescente. Como adolescente é o caráter onírico e irreal (além de irrealizável) das cenas em que participam essas figuras mágicas. Foi, aliás, a constante da não realização do desejo em suas obras um dos fatores que constituíram o mito da castidade em Álvares de Azevedo:


Meu Deus! Por que sonhei, e assim por ela

Perdi a noite ardente;

Se devia acordar dessa esperança,

E o sonho era demente?...”


Mas nem só em mulheres pensava Álvares de Azevedo. Versejou ainda sobre um outro tema, talvez com igual constância: a morte. Uma espécie de prenúncio do trágico desfecho de sua vida; tema que o tornaria ainda mais “romântico”, pois trazia em si a expectativa da morte, como bem exemplificam os antológicos “Se eu morresse amanhã” e “Lembrança de Morrer”. Morte que se transfigura ainda nas palavras pálido, palor, palidez, macilento, presente em praticamente todos os poemas e páginas de prosa, transmitindo à obra e ao autor um aspecto doentio.

Uma outra maneira de o poeta aproximar-se da morte: o gosto pelo macabro, fantasmagórico, tão bem expressos em O Conde Lopo e Noite na Taverna. Nessas passagens, povoadas de cadáveres, caveiras, castelos fantásticos, e principalmente do espírito de Lord Byron, Álvares de Azevedo, mesmo reproduzindo um estilo de época, caracteriza bem o tédio e o spleen românticos e sua proximidade com a morte.



(Ana Marcia e Priscila Santos-RJ / 1º SEM. 2008)

quarta-feira, 1 de abril de 2009

" Contudo um beijo em sua pálida porcelana. E em seus lábios um a vez ardentes. Meu coração! Meu coração!" Byron-Cain.



Poema

Meu anjo

Meu anjo tem o encanto, a maravilha,
Da espontânea canção dos passarinhos;
Tem os seios tão alvos, tão macios
Como o pêlo sedoso dos arminhos.


Triste de noite na janela a vejo
E de seus lábios o gemido escuto.
É leve a criatura vaporosa
Como a froixa fumaça de um charuto.


Parece até que sobre a fronte angélica
Um anjo lhe depôs coroa e nimbo...
Formosa a vejo assim entre meus sonhos
Mais bela no vapor do meu cachimbo.


como o vinho espanhol, um beijo dela
Entorna ao sangue a luz do paraíso.
Dá morte num desdém, num beijo vida,
E celestes desmaios num sorrizo!


Mas quis a minha sina que seu peito
Não batesse por mim nem um minuto,
E que ela fosse leviana e bela
Como a leve fumaça de um charuto!

domingo, 22 de março de 2009

Características Biográficas.


“Foram sonhos contudo...
A minha vida se esgota em ilusões!”

A 12 de setembro de 1831, na cidade de São Paulo, nasce Manuel Antônio Álvares de Azevedo, filho legítimo do acadêmico de Direito Inácio Manuel Álvares de Azevedo e D. Maria Luiza Silveira da Motta de Azevedo. Inácio Manuel Álvares de Azevedo tinha sido estudante em Coimbra, que trocara por São Paulo, quando D. Miguel ali fechou a Universidade. Exerceu depois o cargo de Auditor de Guerra na Corte, o de Juiz de Direito de Niterói e o de Chefe de Polícia da Província do Rio de Janeiro. Foi ainda, na quinta legislatura, de 1843 a 1844, Deputado Geral pela mesma Província, e como advogado, muito se distinguiu no fôro.
Foi Álvares de Azevedo o segundo a nascer de um casal que teve nove filhos, quase todos prematuramente desaparecidos. Em 1833, em companhia de seus pais veio para o Rio de Janeiro, onde em 1835, a morte de um irmão em Niterói lhe causou profunda comoção. Conseguiram os médicos salvá-lo da moléstia que por então o assaltou com violência. Mas nunca mais readiquiriu a saúde, que até esse tempo não inspirara cuidados. Por isso, entre os seis e os nove anos, não se tratou com maior desvelo da sua educação intelectual.
No começo de 1840 matricularam-no no Colégio Stoll, onde permaneceu até 1844, e foi um estudante excepcional. Aprendeu com rapidez a Geografia e a História, o Francês e o Inglês, e com facilidade logo começou a escrever e a exprimir-se nestas duas línguas. Era o último em Ginástica, o primeiro em todas as outras aulas. Mas os invulgares progressos de sua inteligência não lhe alteravam a candura da índole de menino ingênuo e sem maldade. Depois de levar de vencida no curso a todos os colegas maiores que eles, ia no recreio, plantar flores em pequeninos canteiros, com que dissimulava os seus jardins de criança. Por isso depunha o mesmo Dr. Stoll: “Ele reúne, o que é muito raro, a maior inocência de costumes á mais vasta capacidade intelectual que já encontrei na América em um menino da sua idade.”

“Flores cheias de aroma e de alegria,
Porque na primavera abrir cheirosas
E orvalhar-vos abrindo?
As torrentes da morte vêm sombrias,
Hão de amanhã nas águas tenebrosas
Vos rebentar bramindo.”

Aos 13 anos, em 1844, o abandono do colégio pelo Dr. Stoll e a precariedade da saúde levaram Álvares de Azevedo para São Paulo. Foi em busca da sua terra natal em companhia do Dr. José Inácio Silveira da Motta, seu tio materno. Ali estudou com grande aproveitamento e fez os exames de francês, inglês e latim.
No fim de 1844 regressou ao Rio e a 2 de Junho de 1845, sob o nº 430, se matriculou como aluno galgo, no 5º ano do internato do Colégio Pedro II. Teve então como professor de grego Joaquim Caetano Pereira da Silva, uma das mais puras e legítimas glórias da cultura e inteligência nacionais. O Barão de Planitz, que o preparara para a matrícula no internato, foi o seu explicador de alemão. Dele diria mais tarde quando escrevesse o seu ensaio sobre Literatura e Civilização em Portugal: “...um homem, cuja memória nos é muito saudosa, pela perda de um laborioso erudito, de um sábio lingüista – o finado Barão de Planitz.”
A 5 de Dezembro de 1847, aos 16 anos de idade, recebeu solenemente o grau de Bacharel em Letras. Estava apto a matricular-se numa das Faculdades do país. Ao se inscrever em 1848 no primeiro ano da Faculdade Jurídica do Sul, teve como companheiros Bernardo Guimarães, Aureliano Lessa e José de Alencar.
Com as sua livrarias, o seu teatro, a sua imprensa, que em 1850 dispunha de quarenta e sete jornais, muito mais numerosos de 1851 em diante – uma das épocas mais férteis do jornalismo local, era São Paulo um ambiente deveras interessante, onde entravam em conflito as mais opostas e aguerridas correntes políticas.
A famosa Sociedade Epicuréia datava de 1845, e recrutava os seus sócios no seio da mocidade acadêmica. O seu programa era por em realidade as extravagantes fantasias de Byron, e os nomes dos principais personagens do poeta inglês serviam para apelidar os rapazes que compunham tão estranha associação: Mazeppa, Manfred, Lara, Giaur, Marino Faliero, Beppo, Conrado, Sardanapalo, Mazeppa, Cain. Reuniam-se em lugares incertos, pelos arrebaldes da cidade. De uma feita trancaram-se numa casa, fecharam-lhe todas as janelas, e durante quinze dias, em companhia de mulheres perdidas, á luz mortiça de candieiros, praticaram os atos mais delirantes. Algumas cenas reproduzidas na Noite na Taverna, em que “mulheres dormem ébrias e macilentas como defuntos”, e “o sono da embriaguez lhes pesa negro nas pálpebras, onde a beleza sigilou os olhares da volúpia”.

“Corre alta a noite. E no auge vai a orgia;
Do mar na escuridão se abisma a lua
A pratear as águas que alumia.
Perfumes, flores, a vertigem sua
Nos salões a espalhar – reina em folia –
Lasciva a dança, voluptuosa e nua –
Nos floridos tapetes se agitando
- Servos na mesa as taças coroando.”

Além dos estudos jurídicos, a que se entregava seriamente, leu com avidez obras várias de numerosos autores literários, e escreveu incansavelmente, em prosa e verso: uma imitação do quinto ato de Otelo, de Shakespeare; uma tradução da Parisina, de Byron; o poema O Conde Lopo e muitas poesias avulsas.
Na vertigem da escrita não gostava de corrigir:

“Frouxo o verso talvez, pálida a rima
Por estes meus delírios cambeteia,
Porém odeio o pó que deixa a lima
E o tedioso emendar que gela a veia!
Quanto a mim é o fogo quem me anima
De uma estância o calor: quando formei-a,
Se a estátua não saiu como pretendo,
Quebro-a – mas nunca seu metal emendo.”

Em São Paulo fez grandes e sólidas e amizades, entre as quais as de Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, e com estes planejou publicar juntamente um livro de versos – As Três Liras. Aquele, porém, a quem mais íntima e afetuosamente se ligou foi Luís Antônio da Silva Nunes, que anos depois lhe editaria O Conde Lopo. Nas repúblicas, entre os companheiros mais próximos pela semelhança de temperamentos, conversava longamente sobre literatura, á luz trêmula das velas, nas frias noites do inverno paulistano.
Nas férias de 1849, chegou de São Paulo com o pensamento fixo na morte, pois nela falava continuamente aos parentes e amigos. Contudo, não deixava de trabalhar, de estender cada vez mais sua cultura, lendo sempre, juntamente com os autores de Direito, os seus livros de História, de crítica literária, de erudição enfim, e mais os autores de ficção, sobretudo aqueles poetas que eram da sua preferência: Byron, Shakespeare, Shelley, Heine, Vigny, Musset... Sobre todos, Byron, “poeta-rei”, “cujo ardente ceticismo calara no século”, “o artista das grandes glórias, o cultor de todas as aras enlauradas de heroísmo, idólatra panteísta de todas as façanhas”, “vagabundo romeiro do ceticismo”. “Nos tempos modernos”, escreveu ”Goethe e Byron – Goethe, o poeta das tendências idealistas, Byron, o transumpto da leiva sem fé do século XIX.”
De Dezembro de 1851 até o começo de 1852 esteve em Itaboraí, onde, em propriedade de parentes, passou as férias. Alí teve ocasião de declarar que não era do seu desejo voltar em 1852 a São Paulo, pois tinha o pressentimento que morreria. Planejava concluir no Recife o seu curso.
Na iminência de retomar os estudos jurídicos, a 10 de Março de 1852, depois de um passeio a cavalo, de que caiu, foi que se manifestaram os primeiros sintomas da tuberculose pulmonar, que se ignorava. Sobrevieram sofrimentos atrozes, e Álvares de Azevedo teve de submeter-se á operação de um tumor na fossa ilíaca, feita sem clorofórmio pelos Drs. Bompani e Cesar Persiani, médicos italianos. Após quarenta dias experimentou melhoras, chegou a levantar-se da cama. Mas na manhã de 25 de Abril de 1852, num domingo de Ressurreição, sentiu que estava próximo o seu fim. Confessou-se, recebeu a extrema unção. Pediu á sua mãe que se afastasse do quarto.
Tomou na sua a mão do pai, beijou-a, e exclamou:
- Que fatalidade, meu pai!

“Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!”

E após algumas palavras que se não mais entenderam, expirou ás 5 horas da tarde, na casa da então rua do Infante, nº 1, atual 2 de Dezembro, nº 13. Tinha pouco mais de 20 anos. Dr. César Persiani deu o atestado médico – enterite, com perfuração do intestino. No dia seguinte foi o enterro no cemitério de D. Pedro II, á Praia Vermelha, mais ou menos no local onde hoje está o Instituto Benjamin Constant.
Em 1853 foi publicado o primeiro volume das obras de Álvares de Azevedo, no qual se continha a Lira dos Vinte Anos. Em 1855 estampou-se o segundo volume. Ambos se esgotaram rapidamente. Tiveram em todo o país uma repercussão enorme.

( Ana Marcia-RJ / 1º SEM. 2008))


segunda-feira, 16 de março de 2009

Álvares de Azevedo.